domingo, 10 de dezembro de 2017

Doença

Daniel Braz

E se eu lhe mostrasse a alucinação em toda experiência?
Se eu dissesse a você
"Tudo o que crê é mero sintoma da mesma doença",
Você fecharia os ouvidos às pressas?
Mas quem sou eu pra fazer uma coisa dessas...
Não sou imune.
A não ser que você me peça...
Aí, porém, eu não serei mais ninguém.
Falarei em nome de algo além.

Quanto mais se crê que a certeza de fato existe,
Quanto mais tudo o que se chama "lei" em suas ideias persiste,
Mais grave é o erro em que insiste.

Você não vê?
Há tempos você está caindo,
Está indo fundo nesse abismo,
Agarrado firmemente à identidade.
Nome, posição... Mas que bobagem.
Nós todos somos apenas personagens.
Nada disso tem absolutamente um sentido.
É isso que digo.

Mas veja o absurdo contido em sua vontade:
Enquanto está em queda,
Em sua crença você se eleva.
O mundo gira,
Mudam as regras,
Mas, em sua ignorância,
Só você sempre tem as rédeas.
Outras possibilidades?
Apenas nega.

Quanto pesar...
Se não for mais forte,
Chegará o dia
Em que morrerá por asfixia.
Não há corpo que suporte esse ar.
Não vai adiantar reclamar...
Trata-se do ar que você respira.
É o que lhe restará...
A morte,
Ou o reconhecimento de que,
Não o mundo,
Mas você precisa mudar.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Erótico: (II) Amor eterno

Daniel Braz

Eterno amante
É o que eu sou.
Condição ingrata?
Aonde ponho tanto amor?

Em meu interior ele brota,
Recheia e transborda.
Com força,
Meu sangue pulsa,
Enquanto você se afasta.
Estranha repulsa.

É o desperdício o que mais me incomoda.
Assunto difícil...
Para onde vai tudo isso?
Sentimento assim não nasce toda hora.
Amor não se joga fora.
Ai de mim...

Para o amor não há tempo ruim.
Deixo os poréns para outros eventos.
E você?
Seguiria meu exemplo?

                     *

À luz da intuição,
Largo para trás apenas o medo.
Realizo a ação.
Entrego, confio, aceito e agradeço.
E, se o acaso me acabar por inteiro,
Tanto melhor.
Dos escombros da ilusão,
Retorno ainda mais forte,
Ainda maior.
Sou eternamente perfeito.
Atento a mim, é o que enfim reconheço.

Derramo, sim, o meu amor,
Com todo apreço,
De graça,
Ciente daquilo que supostamente mereço:
Amor verdadeiro.
Mas não quero cair nessa inútil espera,
Nessa farsa.
Os resultados do que faço nem me pertencem por direito.
Não há nem mesmo um "eu",
Muito menos um "outro".
Dizem por aí ser "tudo" o que é puro "nada".
O que você chama de mau é apenas quimera.
Contudo,
Há apenas amor do fim ao começo,
Em toda era.

                      *

Na esteira da verdade eterna,
Minha alma é de gênio,
Que depende da vida,
Que apenas nesta se inspira.
Desejo uma musa à minha altura.
E você já foi escolhida.
Minha postura é de entrega,
A sua é a de obsessão pelas regras
De um jogo nunca antes jogado,
E que, por isso,
Nunca de fato começa.
Ah... Mas bem que poderia!
(Estou convicto, perdoe a teimosia)
E como eu gostaria!

Erótico: (I) Nuvens

Daniel Braz

Como uma nuvem,
A ansiedade encobre a luz do sol,
Enquanto este permanece imóvel,
Lançando seus raios.
Enorme farol.
Mas viver é fácil...
É autoevidente.
Basta seguir a corrente,
Que brota da mais íntima nascente.

Precisamos falar sobre o real,
Onde não há acordo com nossos planos,
Mas apenas o inverso.
Na abertura para a contingência,
O ideal é mera forma prévia,
Enquanto o real, substrato de toda aparência,
É o que de fato está ali, expresso.
Tragédia ou comédia,
Em tal contraste, há a margem que nos resta.
Mas a vontade do sujeito é livre,
- Inclusive dele mesmo -,
E, pelo menos para este,
Sempre faz a coisa certa.
No tato, em contato imediato,
Cumpre ao que se presta,
Não importa o nome da peça.

No amor, estamos para além da razão.
No corpo, estamos para além da mente.
Ora, sejamos menos reativos, mais meditativos,
Testemunhas silentes,
Serenas de que todo temor é uma ilusão,
De que não há dor que não se suporte,
E de que as chances de prazer só acabam com a morte.
Nos libertando de antigos parâmetros
E de sonhos juvenis de um futuro que satisfaz,
Deixemos que o amor brilhe aqui, em ação.
Especulação jamais.
Amor não é memória, nem tampouco imaginação.
Ele está vivo, e precisa de ar.

Apesar de mim, lhe dou amor.
Apesar dos traumas e dos riscos, lhe dou amor.
Não sei por que,
Nem pra que,
Mas sei que...
Transbordaria em você todo o excesso do meu amor próprio.
Ou até mesmo seria contigo uma e única solução homogênea.
E me pergunto por que você ainda está aí,
No topo de um castelo flutuante,
Sem portões ou janelas,
Sendo que, num sentido lírico,
Você me completa.
No fundo ainda espero que você desça daí e venha.

Em prol da certeza, seu sacrifício é o que te leva à paralisia.
Você não chega ao seu objetivo.
De palavra em palavra,
De teoria em teoria,
Adiciona névoa às nuvens em plena manhã,
Tornando tudo mais escuro,
Sem contudo transformar em noite o que ainda é dia.
Isso aí, só o Tempo de fato cria.
Ó, ser todo auspicioso,
Para quem toda culpa é vã,
Lá vamos nós de novo em sua crista.

Eu, por amor, sigo sendo um alquimista.
Inspirado eternamente por Eros,
De fato não preciso de ti,
Mas a ti me entrego.
E, assim, à vida não me nego.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Franco

Daniel Braz

Ora, mas que mania de ser franco...
Compulsão obsessiva.
Não tem jeito.
Em nome da clareza segura,
Pinço os conceitos, faço retórica e canto
Ao menos em nome do Belo e do Veraz
- Não do Bom -
Já deveria ser um adianto...
Mas não.
Reputação de honesto não dura,
Só entende quem atura.

domingo, 29 de outubro de 2017

Fome e sede

Daniel Braz

Tenho fome de ciência
E sou consciente do apetite daquilo
Que me faz nutrir minhas vísceras,
Que dá sentido à minha pélvis,
Em cuja conta eu ponho meu amor,
Erótico, criador.

Ó, objeto da minha fome,
Minha conquista,
Minha riqueza mais pessoal.

Pelos porquês eu vivo.
Em função deles me permito
Experimentar o mundo com ares de alquimista,
Examinando sua superfície
e também seu avesso,
Manipulando-o.
Assim, conheço.

Minha amostra é o solo em que eu próprio piso,
Que, em meus pés, eu sinto pressionar,
Entendendo, sem visão, o que por esta não pode ser entendido,
Pois o tato é o mais primordial sentido,
Diria também o mais rico.
Tópico do mais subjetivo estudo.

Eu sei, é bem por isso...
Vivemos pelo apetite, 
E a ciência traz grandes perigos...

Mas tenho sede de aventura,
De ampliar minhas latências,
Fazendo modelo a minha inocência,
Meu instinto de prazer.

Aliás,
Se nunca é tarde,
Meus planos aceitam cúmplice.
Há de se querer profunda intimidade.
Alma sincera em cujo corpo se desvela,
E se revela.
Transparente véu.

Tenho saudade de ter saudade.
Tanto faz?
Corajoso é dispensar a mão que agarra e traz de volta,
Que te puxa quando já lhe falta ar.

Mas vou pro mar mesmo assim,
Mesmo sabendo que mar não tem fim.
Ora nado,
Ora me deixo levar.
Sonhando acordado,
Sem cochilar.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Ato falho

Daniel Braz

Os movimentos são como o traçar de uma linha
Por uma mão que se deixa levar sem pensar.
Sem razão.
São rabisco, risco.
(Atenção para a concordância, está correto.)
Não há sujeitos, há um processo.
Sim, intuição sem conceito.
Em todo ato, pura ânsia.
O uno no múltiplo.
Ímpeto cego na instância.
Nada demora.

Passado e futuro são sintomas do sono leve
de que até a morte nunca se acorda.
Mesmo vivo,
O indivíduo subsiste na espécie
Ou na horda.
Pobres seres terrestres...
Cujos olhos são feitos do que se herda.

Se isso inconforma,
ou se é um insulto,
Pouco importa.
Espasmo.
Espirro.
Ato falho.
Casca de banana.
Potência e contingência.

É o ser por detrás da aparência.
É a matéria sem forma.
É a aleatoriedade das cartas do baralho.
Com ela se joga.
Pois a lei natural é anterior à norma.

sábado, 12 de agosto de 2017

Transformação

Daniel Braz

OM namaḥ śivāya,
Nada se perde, tudo se cria

OM namo' brahmaṇe,
Nem tudo o que se cria é bom.
O belo do mundo é transformação.

Minha obra será bela,
Deve ser.
O ruim foi apenas tentativa.
É preciso saber quando se está à deriva.

É de sentir quando o esforço é inútil...
Nada de insistir em remendos,
De tentar colar estilhaços!
A vida é finita,
Largue a certeza à ordem natural dos fatos.

Semente boa dá frutos,
Semente que não vinga vira adubo.
Mas o mundo é também amaldiçoado,
Castelo de areia,
Frente ao mar agitado.
Tão frágil...

Os que pretendem ainda construir seus palácios,
Lembrem,
A verdadeira riqueza, sua fonte original,
É de acesso mais fácil,
Na mais interna experiência.
Na natureza de quem cria,
Onde o mar não agita.

Se toma-lhe o ato,
Não leva junto a potência.

domingo, 16 de julho de 2017

Misantropia

Daniel Braz

Minha porta está trancada!
De qualquer modo,
Não entre sem bater,
E saiba logo:
Sou indiferente a você...
- Verdade necessária,
Mas não leve para o lado pessoal -
OK, insisto,
Lhe proponho uma charada.
Preste atenção nisto.
Será você capaz de responder?
Se sim, lhe mostro um pedaço de mim...
Se não, é melhor que se contente
Com minha versão cínica,
E meu olhar plácido,
Indiferente.

- Se eu sou uma pessoa ruim? -
Depende do seu referencial...
Então antes se oriente!
Mas não confunda universal
Com mera disposição natural.
Ruim seria se não fosse eu mesmo.

Faço o que estou a fim,
E levo a vida do modo mais fácil.
Como eu desejo.
Do modo mais fácil pra mim.

Imagino o mundo inteiro,
E penso que tudo valerá,
E que meu valor valorará,
E que meu amor abençoará,
Criando tudo por si mesmo,
Instigando meu desejo,
Usando meu corpo como melhor brinquedo.

Aos distraídos, alto lá!
Eu canto sim para as massas,
Assim como no chuveiro,
Pois é a mim mesmo que faço as graças.
Não me interessa ser polido,
Não preciso de comparsas.
Obra boa é sempre minha,
Nela você não faz a menor falta.
Seu cumprimento não me fala.
Minha alma já me basta.

sábado, 8 de julho de 2017

Rotação

Daniel Braz

Eu não tenho controle,
Não respondo por mim,
Tô descendo a ladeira,
E meus pés são patins.
O rolamento é leve,
A descida é íngreme,
A vida é breve,
E deve ser aceita assim.

Segura firme,
Me dê a mão.
Tudo gira,
Tudo roda.
Lá fora tudo passa,
Mas aqui dentro tudo volta.
Pois cada um já traz sua norma,
E é ela que nos controla
A cada hora,
Em cada ação voluntária.

Larguei de vez a ilusão binária,
A pretensão do pensamento
Que pensa que é fonte primária.
Um sonho bom permanece sonho,
E eu prefiro as coisas claras.
Sonhei que era rei,
Mas toda vida é escrava.
Liberdade é apenas uma palavra.
Enquanto vivo, sou puro karma,
O eterno retorno,
A roda do samsara.

Lhe ofereço, então, este anel.
Circunferência da minha alma.
E, para além de toda sequência,
De todo arranjo variável de cartas,
O que prometo é aquilo que fica,
Aquilo que sempre volta.

Por favor, me dê o mesmo em troca,
Para que nossa rotação se aproxime,
Em sincronia,
Descendo a ladeira,
No ocaso da vida.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Presente

Daniel Braz

Não resisto ao presente,
À maneira como meu corpo o sente.
Se, então, vejo que todas as forças que em mim lutam
Nele convergem tendo um alvo em comum,
Assumo:
Eis aí minha verdade manifesta,
Na matéria, na aparência, na vontade,
Em ativa passividade.

E por que não respirar outros ares
Quando estes já preenchem minhas narinas?
Decerto, é preciso saber o que sou
Para saber que tipo de ar me mantém mais vivo.
Mas é presente o oxigênio da essência que inspiro,
Por isso nela me inspiro.

Enfim, na atenção a mim,
Objeto imediato,
Desvendo enigmas,
Removo obstáculos.
Pois, meu corpo é planta,
É flor que quer desabrochar.
É rio,
É água que quer fluir.
Minha alma?
A alma é o próprio corpo que quer vida,
Faminto de matéria,
Seu próprio substrato,
Ávido para fecundar, nesta, sua Ideia,
De modo que, mesmo finito,
Da eternidade participo.

Deste princípio, pois, constato:
Dar minha forma à matéria que vivo,
Eis o grande objetivo!

domingo, 25 de junho de 2017

Sentimento

Daniel Braz

Ai ai, o que é isto, o sentimento?
Isto, que é tão mais real que o pensamento...
Pode até ser pensado,
Mas, não nos enganemos,
Só existe em presença.

Condicionado por sua causa suficiente,
Condenado à contingência do instante
Em que se torna ato o que até então esteve apenas potente,
É a prova de que em toda ação não há sujeito agente,
Mas somente o todo que a mim e a você pertence.

Brindemos à natureza no transparente cálice de sua pura sabedoria,
De cuja eterna inocência participamos,
Como corpo vivo que somos,
Agraciados com a imagem do seu mais perfeito espelho:
Viva a consciência!

Não é necessário controle sobre o que já está em ordem,
Não é preciso preenchimento do que já é pleno.
Evoco, pois, o sentimento
Como sinal singelo de que já somos o que queremos.

O que queremos?
Ora, é disso que o sentimento é reflexo.
Seus olhos estão bem abertos?
E como vão seus nervos?