domingo, 16 de julho de 2017

Misantropia

Daniel Braz

Minha porta está trancada!
De qualquer modo,
Não entre sem bater,
E saiba logo:
Sou indiferente a você...
- Verdade necessária,
Mas não leve para o lado pessoal -
OK, insisto,
Lhe proponho uma charada.
Preste atenção nisto.
Será você capaz de responder?
Se sim, lhe mostro um pedaço de mim...
Se não, é melhor que se contente
Com minha versão cínica,
E meu olhar plácido,
Indiferente.

- Se eu sou uma pessoa ruim? -
Depende do seu referencial...
Então antes se oriente!
Mas não confunda universal
Com mera disposição natural.
Ruim seria se não fosse eu mesmo.

Faço o que estou a fim,
E levo a vida do modo mais fácil.
Como eu desejo.
Do modo mais fácil pra mim.

Imagino o mundo inteiro,
E penso que tudo valerá,
E que meu valor valorará,
E que meu amor abençoará,
Criando tudo por si mesmo,
Instigando meu desejo,
Usando meu corpo como melhor brinquedo.

Aos distraídos, alto lá!
Eu canto sim para as massas,
Assim como no chuveiro,
Pois é a mim mesmo que faço as graças.
Não me interessa ser polido,
Não preciso de comparsas.
Obra boa é sempre minha,
Nela você não faz a menor falta.
Seu cumprimento não me fala.
Minha alma já me basta.

sábado, 8 de julho de 2017

Rotação

Daniel Braz

Eu não tenho controle,
Não respondo por mim,
Tô descendo a ladeira,
E meus pés são patins.
O rolamento é leve,
A descida é íngreme,
A vida é breve,
E deve ser aceita assim.

Segura firme,
Me dê a mão.
Tudo gira,
Tudo roda.
Lá fora tudo passa,
Mas aqui dentro tudo volta.
Pois cada um já traz sua norma,
E é ela que nos controla
A cada hora,
Em cada ação voluntária.

Larguei de vez a ilusão binária,
A pretensão do pensamento
Que pensa que é fonte primária.
Um sonho bom permanece sonho,
E eu prefiro as coisas claras.
Sonhei que era rei,
Mas toda vida é escrava.
Liberdade é apenas uma palavra.
Enquanto vivo, sou puro karma,
O eterno retorno,
A roda do samsara.

Lhe ofereço, então, este anel.
Circunferência da minha alma.
E, para além de toda sequência,
De todo arranjo variável de cartas,
O que prometo é aquilo que fica,
Aquilo que sempre volta.

Por favor, me dê o mesmo em troca,
Para que nossa rotação se aproxime,
Em sincronia,
Descendo a ladeira,
No ocaso da vida.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Presente

Daniel Braz

Não resisto ao presente,
À maneira como meu corpo o sente.
Se, então, vejo que todas as forças que em mim lutam
Nele convergem tendo um alvo em comum,
Assumo:
Eis aí minha verdade manifesta,
Na matéria, na aparência, na vontade,
Em ativa passividade.

E por que não respirar outros ares
Quando estes já preenchem minhas narinas?
Decerto, é preciso saber o que sou
Para saber que tipo de ar me mantém mais vivo.
Mas é presente o oxigênio da essência que inspiro,
Por isso nela me inspiro.

Enfim, na atenção a mim,
Objeto imediato,
Desvendo enigmas,
Removo obstáculos.
Pois, meu corpo é planta,
É flor que quer desabrochar.
É rio,
É água que quer fluir.
Minha alma?
A alma é o próprio corpo que quer vida,
Faminto de matéria,
Seu próprio substrato,
Ávido para fecundar, nesta, sua Ideia,
De modo que, mesmo finito,
Da eternidade participo.

Deste princípio, pois, constato:
Dar minha forma à matéria que vivo,
Eis o grande objetivo!